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História

A Casa Pia no Antigo Regime (1780-1807)

A Casa Pia de Lisboa foi fundada, no dia 3 de julho de 1780, no reinado de D. Maria I, pelo Intendente da Polícia Diogo Inácio de Pina Manique, no contexto dos problemas sociais decorrentes do terramoto de 1755 que devastou a cidade de Lisboa.

Instalada no Castelo de S. Jorge, a Real Casa Pia de Lisboa recebe crianças órfãs e abandonadas, além de mendigos e prostitutas, em sectores diferenciados.

Pina Manique rodeia-se de colaboradores prestigiados, como José Anastácio da Cunha, poeta e matemático, antigo professor da Universidade de Coimbra, a quem nomeia Regente de Estudos e encarrega-o de elaborar o Plano Curricular e o Regulamento Interno.

No Castelo de S. Jorge foram aplicados os mais modernos e audaciosos métodos pedagógicos que transformaram esta Casa numa escola precursora do ensino técnico-profissional, do ensino artístico e do ensino musical no nosso país. Treze anos depois da sua fundação, em 1793, transformou-se numa grande Instituição de Solidariedade Social, uma Escola Moderna, com mais de um milhar de alunos.




A Casa Pia no Convento do Desterro (1811-1833)

Consequência das invasões francesas e da ocupação de Lisboa pelos exércitos napoleónicos, Junot instala no Castelo de S. Jorge as suas tropas. As crianças da Casa Pia foram desalojadas e distribuídas por asilos, paróquias e conventos. Outras ficaram simplesmente na rua.

A Casa Pia muda-se para o Convento do Desterro, um período triste na vida da Instituição, muito longe da época áurea do Castelo. Não admira, por isso, que o currículo académico
estivesse distante daquele que encontramos na primitiva “Universidade plebeia” do Castelo de São Jorge. Limitava-se às Primeiras Letras, Latim, Desenho e aprendizagem de ofícios.

Após a restauração miguelista de 1828, com o clima de violência que se gerou, viveram-se tempos de permanente sobressalto. Devido às condições de instabilidade social a Instituição debateu-se com inúmeras dificuldades para dar respostas adequadas aos problemas que a cidade vivia e, com a guerra civil de 1832-34, as instalações do Desterro revelaram-se absolutamente insuficientes.

A Casa Pia no liberalismo monárquico (1834 – 1910)

A instalação da Real Casa Pia de Lisboa nos Jerónimos não esperou pela expropriação do Mosteiro, então habitado por pouco mais de meia dúzia de monges. O decreto de 28 de
Dezembro de 1833, da Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, ordenava a transferência da Casa Pia para o Mosteiro dos Jerónimos.

Em abril de 1834, D. Pedro IV visitou a Casa Pia. A 9 de maio de 1835 foi promulgada uma ambiciosa reforma que procurava restaurar a Instituição, devolvendo-lhe o prestígio que tivera no tempo de Pina Manique.

É na segunda metade do século XIX que a Instituição alarga as suas instalações para os terrenos anexos ao Mosteiro dos Jerónimos, cuja cerca incluía toda a encosta do Restelo.

A Casa Pia de Lisboa consolida o seu prestígio, sendo tida como o mais importante estabelecimento de instrução do país. Desenvolve-se o ensino artístico, musical, técnico-
profissional e agrícola. Esse pioneirismo revelou-se, também, na ginástica e prática desportiva, que iriam dar excelentes frutos nas primeiras décadas do século seguinte.

 

A Casa Pia na I República (1910-1926)


A prioridade educativa na Primeira República era o ensino infantil, o primário, o ensino normal e escolas móveis, com o objetivo de combater o analfabetismo na população adulta e incrementar a produtividade económica. O ensino profissional elementar não sofreu grandes alterações.

Porém, a partir de 1918, após a Grande-Guerra, procurou-se um ensino industrial e comercial orientado para o desenvolvimento dessas áreas e adequado às classes que os frequentavam, como acontecia noutros países europeus.

O primeiro dirigente da Casa Pia da I República foi António Aurélio da Costa Ferreira, médico de renome e pedagogo eminente, nomeado pelo seu amigo António José de Almeida para o novo cargo de Diretor. Foi pioneiro da psicologia do desenvolvimento e da psicologia escolar na Casa Pia, defendendo a prévia detecção das aptidões de cada aluno, numa antecipação daquilo que viria a ser a orientação vocacional e profissional. Privilegiou sempre o conhecimento do aluno enquanto indivíduo, bem como a exploração dos laços com a família, quando esta existisse e fosse “colaborante” com a Instituição. Promoveu a criação de um Curso Normal de especialização para o ensino de “surdosmudos”, em 1913. O Instituto de “surdos-mudos” que até 1922 funcionou como secção anexa à CPL, no colégio de Pina Manique, passou, nesse ano, a denominar-se oficialmente Instituto de “surdos-mudos” Jacob Rodrigues Pereira.

António Aurélio da Costa Ferreira recusava-se a aceitar uma Casa Pia que fosse “um internato monstro, meio convento e meia caserna”. Apostou também na integração precoce dos jovens alunos na vida ativa. As dificuldades resultantes da entrada de Portugal na Grande Guerra repercutiram-se, como seria de esperar, na Casa Pia: não só os jovens alunos do Curso de Sargentos (criado em 1903) foram mobilizados, como as carências alimentares e de vestuário afetaram significativamente as crianças. Só em meados da década de 20 as circunstâncias nacionais e internacionais permitiram melhorar as condições de vida na Instituição.

Os alunos educados na Instituição, nas primeiras décadas do século XX, prosseguiram no caminho da formação integral que sempre foi apanágio casapiano. São estes jovens (entre os
quais encontramos Cândido de Oliveira, Ricardo Ornelas e Ribeiro dos Reis) que se tornam pioneiros, entre nós, de novas modalidades como o futebol e o basquetebol, e entusiásticos praticantes de outras mais antigas, como o atletismo, a esgrima e a natação. Em 1920, fundaram o Casa Pia Atlético Clube.





 

A Casa Pia no Estado Novo (1933-1974)

Com o início do Estado Novo a preocupação principal do ensino era “educar para a virtude”, em detrimento do restante ensino. O Regime pretendia que os novos escolarizados não abandonassem os campos.

Porém, após a 2.ª Grande Guerra, com o Plano Marshall para apoio ao ressurgimento da Europa e com o contexto de novo arranque industrial e científico em curso neste continente e em Portugal, gera-se uma necessidade crescente de mão-de-obra especializada, nomeadamente pelo ensino técnico-profissional.

Foi nesse contexto que se deu a Reforma de 1948, originando grande evolução quantitativa e qualitativa da oferta de cursos de ensino técnico-profissional que permitia uma rápida empregabilidade ou eventualmente o prosseguimento de estudos nos Institutos Comerciais e Industriais.

Introduziu-se, assim a organização do ensino médio baseada num primeiro ciclo comum e os posteriores assentes em princípios de orientação profissional. Pretendia-se qualificar mão-de-obra em conformidade com as necessidades do mercado e enquadrar e controlar a ascensão social da população.

Os seis anos de Ditadura Militar pouco ou nada mudaram na Casa Pia de Lisboa. Em 1935, porém, o Estado Novo dá início a uma profunda reforma da Assistência, encarregando o respetivo Diretor-Geral, Braga Paixão, de a preparar e executar.

Esta reforma haveria de mudar radicalmente a Instituição Casapiana. São concentrados na Casa Pia de Lisboa todos os estabelecimentos de educação e assistência social dependentes da Direção-Geral de Assistência: cada uma dessas instituições passaria a ser considerada secção da Casa Pia de Lisboa. Em 1940, o próprio Braga Paixão assumiu as funções de Provedor. A Reforma de Braga Paixão, concluída em 1942, integrava os seguintes institutos na Casa Pia de Lisboa: Asilo D. Maria Pia, Asilo Nuno Álvares, Instituto de Surdos-Mudos Jacob Rodrigues Pereira, Asilo de Nossa Senhora da Conceição, Asilo de Santa Clara, Asilo 28 de Maio. A “antiga Casa Pia” passava a ser a “Secção de Pina Manique”.

O autoritarismo do regime salazarista enraíza-se nesta Instituição, com uma gestão centralizada, burocrática, distante das crianças e do seu quotidiano, nos antípodas das teorias e da prática de Aurélio da Costa Ferreira.

Como geralmente sucede nos regimes autoritários, a Casa Pia era um reflexo do próprio País. O chefe confiava muito pouco nos subordinados, centralizando na sua pessoa até as decisões mais insignificantes e o sistema educativo não fugia à regra, balizado pela trilogia “Deus, Pátria e Família”.

Nas décadas finais do Estado Novo (50 e 60), a Casa Pia de Lisboa reforçou esta tendência autoritária, centralista e nacionalista e a Instituição atravessou um período de estagnação.

Do ponto de vista pedagógico, todavia, a qualidade do ensino, particularmente do ensino técnico-profissional, manteve-se o que permitiu conservar muito do prestígio herdado da “antiga Casa Pia”.

 

A Casa Pia no Portugal Democrático (1974-presente)

Em 1975 foi extinto o ensino técnico-profissional e instituído o ensino secundário unificado com base no ensino liceal. Em 1983, o Governo reintroduziu o ensino profissional com equivalência ao ensino secundário.
Com a entrada de Portugal na CEE em 1986, face às necessidades decorrentes do contexto de globalização e numa afirmação crescente das novas tecnologias, promulgou-se a Lei de Bases do Sistema Educativo que, em conjunto com outros diplomas posteriores na mesma linha, tornaram-se pilares para a reintrodução eficaz dos cursos técnico-profissionais, caracterizando-se pelas seguintes realizações:

• A organização dos cursos considerava as necessidades conjunturais nacionais e regionais de emprego e os interesses de desenvolvimento local e regional;

• Tornou-se o ensino profissional acessível a todos e o ensino ao longo da vida na linha das recomendações da UNESCO;

• Aposta crescente no ensino profissional, numa orientação mais tecnológica;

• Maior atenção aos currículos, numa estratégia global e integrada a nível europeu;

• Reforço da autonomia das escolas;

• Formação em contexto de trabalho.

Na década de 70, a Casa Pia de Lisboa debateu-se com a necessidade de alterações estruturais em três variantes fundamentais: lideranças superiores e intermédias qualificadas, a rápida e radical mudança de hábitos e valores resultado da revolução de abril e a gestão exigente de uma instituição tentacular herdada do Estado Novo, com vários colégios e milhares de alunos.



No começo dos anos 80, procurou-se reorganizar e modernizar a Casa Pia, apetrechando-a para uma educação adaptada aos novos tempos. Desmassificou-se o internato, substituindo as enormes camaratas de 60 ou 70 alunos, por lares com pouco mais de uma dezena de crianças ou jovens, incluindo alguns lares fora dos colégios; alargou-se a oferta educativa através da criação de novos cursos técnico-profissionais; abriram-se mais e melhores perspectivas de prosseguimento de estudos; reabilitaram-se os espaços dos diferentes colégios e construíram-se outros de raíz.



Este esforço de modernização prosseguiu dirigido a toda a instituição, mas dando especial atenção à área do acolhimento, implementando rapidamente um conjunto de mudanças dirigidas às cerca de 600 crianças e jovens que constituíam esse universo. A desmassificação é realizada pela construção ou adaptação de unidades para 20/25 crianças/jovens, com acompanhamento de cinco educadores de nova geração.

Um novo corpo técnico, constituído por Assistentes Sociais e Psicólogos, contribuiu para a estruturação de informação técnica, aplicação da Lei de Promoção e Proteção, diagnósticos e encaminhamentos para áreas da especialidade. Como marco distintivo, destaca-se o início da constituição de lares de infância e juventude mistos, para evitar a separação de irmãos e permitir o crescimento destas crianças em ambiente sentido como familiar, uma vez que a permanência no acolhimento se situava em média nos 12 anos.


Em 2002 veio a público o denominado “Processo Casa Pia” e por determinação ministerial é nomeada uma Comissão Instaladora com o objetivo de preparar o novo modelo institucional da Casa Pia de Lisboa, iniciando-se o processo de reestruturação que levou à mudança do paradigma do acolhimento Institucional.

A resolução do Conselho de Ministros nº 2/2006, de 6 de janeiro, fixou os objetivos e princípios orientadores para reestruturação da Casa Pia de Lisboa, determinando cinco áreas prioritárias:
a) Recentração da CPL, I.P. nas suas missões essenciais;
b) Desmassificação e restituição da escala humana à Instituição;
c) Qualificação da gestão e dos profissionais;
d) Adoção e qualificação do modelo do ensino profissional e reforço da formação em
alternância;
e) Ajustamento do modelo institucional aos desafios de futuro.

Esta Comissão adaptou o resultado final do relatório do Conselho Técnico-Científico à modernização da CPL, I.P., prosseguindo as políticas de desmassificação das respostas de acolhimento e a substituição dos lares “intramuros” por unidades integradas na comunidade, promovendo o recrutamento e a qualificação dos trabalhadores e reativando a admissão de crianças em perigo, suspensa desde o início do processo.
Tendo as crianças e os jovens no centro da nova missão, foi definido um novo modelo socioeducativo para a Instituição, assente em percursos de aprendizagem inclusivos e tendo em consideração:
a) O acolhimento como transitório e o retorno ao meio familiar no centro da intervenção
institucional;
b) A escolaridade prolongada;
c) A formação inicial qualificante de dupla certificação no âmbito da legislação
nacional;
d) A relevância da formação com educandos surdos e surdocegos.

Foram ainda introduzidos novos modelos pedagógicos nos diversos ciclos e níveis de ensino, criando-se o Ensino Integrado da Música no Ensino Regular.



A área do Acolhimento foi, por iniciativa da Casa Pia de Lisboa, sujeita a avaliação externa, realizada por uma entidade académica, isenta e reconhecida pelo seu trabalho de investigação na área das crianças e jovens. Sustentada em modelos e critérios internacionais relativos ao acolhimento residencial, os resultados concluem que as casas de acolhimento da CPL, I.P. revelam avaliações superiores à média nacional em todas as dimensões do sistema de avaliação.

Foi realizado um estudo independente MP3 [Medir Percursos/3 Gerações]. Entre as principais conclusões destaca-se que uma grande maioria dos alunos incluídos neste estudo estão socialmente integrados, poucos são os que vivem isolados sem família: a maioria tem filhos e partilha a sua vida com um(a) parceiro(a).

Por outro lado, a maioria atingiu um nível de escolaridade médio ou elevado e continuou a investir no seu percurso académico depois de sair da Casa Pia, progredindo nos estudos.

A Casa Pia do século XXI assume uma identidade marcada pela transparência da sua gestão, o compromisso com o rigor e qualificação da informação produzida. Mantendo as crianças e jovens no centro da sua intervenção, apoiando em particular as desprovidas de meio familiar adequado ou em situação de vulnerabilidade, tem procurado cimentar sinergias com diferentes entidades e agentes socioeconómicos de forma a projectar no futuro a sua Missão com 243 anos de existência.